sábado, 31 de março de 2012

A que te podes acostumbrar?

A que te podes acostumbrar?

Essa frase sempre me pega de surpresa - mesmo olhando para ela toda semana. Aliás, é muito mais que olhar ou ser surpreendida: é como levar um tapa na cara e ficar por horas pensando nos seus significados.  Significados. Sim, no plural. É nítido o valor político contido nessa frase quando se sabe que está em em um prédio de Humanidades, na Argentina. Ou quando se vê, no mesmo prédio "5 años sin Lopez". Lopez foi uma militante do período da ditadura que, já em democracia, reapareceu para fazer denúncias contra os abusos a que ele e seus colegas foram sujeitados. Adivinhem o que aconteceu? Lopez desapareceu. Coincidência? Grande parte da população argentina acredita que não. Inclusive essa brasileira que vos escreve. Logo, essa indagação está de forma explícita ligada a questão dos silêncios, seja por medo ou negligência. Quando chego na calle 48 con 7 e me vejo cara a cara com a fachada do prédio, além do meu coração doer ao pensar nas mães e avós da Plaza de Mayo, eu também sou levada a refletir sobre a esfera dos relacionamentos. Até que ponto podemos nos acostumar ou abdicar do que julgamos importante a favor das nossas relações com outras pessoas que, por sua vez, também possuem vontades e prioridades? A máxima de "alguém tem que ceder" é passível de revesamento ou algumas pessoas nasceram para fazê-la realidade e ponto final? Mesmo depois de um mês olhando quase que diariamente essa pergunta, não sei como respondê-la. Afinal, já me acostumei a tanta coisa. E tenho me acostumando. E, provavelmente, virão tantas outras. Gostaria de um guru espiritual, conscientizador do amor próprio, ou uma mente e coração bem resolvidos. Porque eu realmente não sei qual é o limite do que podemos nos acostumar. Ou até que ponto acostumar seja benéfico. Ainda mais: vale a pena se acostumar a algo? Enfim, esses e vários outros pensamentos soltos atravessam minha cabeça quando chego ao prédio de Humanidades. Sou uma eterna admiradora das mulheres sensíveis e de impacto. Lou Salmé com sua paixão, escrita e aura sedutora. Frida Khalo e a materialização da dor através das cores. Nunca pensei que um luto pudesse ser tão florido. Invejo as máscaras dessas mulheres. E sua capacidade de mistério.

"Pois, no seio mesmo da paixão, nunca se deve tratar de "conhecer perfeitamente o outro": por mais que progridam neste conhecimento, a paixão restabelece constantemente entre os dois este contato fecundo que não pode se comparar a nenhuma relação de simpatia e os coloca de novo em sua relação original: a violência do espanto que cada um deles produz sobre o outro e que põe limites a toda tentativa de apreender objetivamente este parceiro. É terrível de dizer, mas , no fundo, o amante não está querendo saber "quem é" em realidade seu parceiro. Estouvado em seu egoísmo, ele se contenta de saber que o outro lhe faz um bem incompreensível... os amantes permanecem um para o outro, em última análise, um mistério."  Lou Salomé.


(Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/por_tras_do_espelho/2012/03/lou-andreas-salome-e-a-paixao.html#ixzz1qkGqFodp)


O que me intriga não é a felicidade sem explicação, porque acredito que a realidade das coisas deveria ser essa: a tão procurada felicidade. O que me faz perder noites de sono é a infelicidade e a apatia. Porque a isso ninguém deveria se acostumar.

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