quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O árido



O árido. O seco. O soco. O sol me travestindo de fúria. Lá no Cafundó dos Confins de mim, a paisagem gemia ao menor sopro.

João procurava (sem êxito) uma sombra de árvore, um vestígio de vento, um respingo de água para desangustiar o corpo. Encontrava-se na liminaridade do ver e imaginar. Pobre coitado. Não percebia: um passo adiante e penetraria na febre do ser-tão.

É claro que me comovia seus planos e a sua trajetória até ali. Mas, o que eu poderia fazer? Marte me dominava e amordaçava. Meus olhos secavam qualquer sinal de vida, inclusive a de João. Cada um carrega seu próprio desalento e o de João acabaria ali. Quem sabe o que lhe reservaria as outras estações?!

João recostou-se em um dos moirões da cerca. Ficava intrigado com a durabilidade daquela madeira em um local onde tudo o que ficava parado ruía. Lembrou-se de uma antiga companheira, Joana, e em tudo o que poderia ter brotado: alguns filhos, talvez uma casa de alvenaria no Rio, assim como a do primo Luiz.

O sonho, assim como Joana, escaparam com a seca e seu desdobramento sobre as antigas pastagens. Desvencilhou o pensamento do desamor para debruçar os olhos na estrada de chão. Avistou um caminhante em frangalhos e olhou para si: estavam em irmandade. Seus olhos poderiam ter marejado, mas estava quente demais para isso.

O homem caminhava com dificuldade e, aos poucos, foi se tornando nítido e grande. Um grande maltrapilho.

Carregava uma pequena bolsa verde encardida, de trabalhador rural. João e o caminhante se entreolharam e nada disseram. As bocas opacas produziam um som seco. Minutos depois, o homem revelou sua identidade. Chamava-se Jesuino.

Abriu a bolsa.

Seus dedos estavam sujos de terra. E tremiam. Retirou um resolver e, antes que João pudesse clamar misericórdia, Jesuino atirou no desconhecido irmão. Na cabeça – para preservar o coração.

- A passagem para o paraíso – sussurrou.

E outro estampido ecoou pelo árido verão.